sexta-feira, 2 de julho de 2010

O sentido tipológico do sétimo dia

Por João Calvino

A observância de um dia dentre cada sete representava aos judeus esta cessação perpétua de atividades, a qual, para que fosse cultivada com religiosidade maior, o Senhor a recomendou com seu próprio exemplo. Pois é de não somenos valia para aquecer o zelo do homem que saiba estar trilhando à imitação do Criador.


Se alguém procura algum sentido secreto no número sete, uma vez que na Escritura este é o número da perfeição, não sem causa foi ele escolhido para expressar perpetuidade. Ao que também confirma isto: que Moisés põe termo à descrição da sucessão de dias e noites com o dia em que narra haver o Senhor descansado de suas obras. Pode-se também apresentar outro significado provável do número, isto é, que o Senhor assim indicou que o sábado nunca haverá de ser absoluto até que tenha chegado o último dia. Pois aqui começamos nosso bem-aventurado descanso nele, descanso em que fazemos diariamente novos progressos. Mas, porque ainda incessante é a luta com a carne, não se haverá de consumar antes que se cumpra aquele vaticínio de Isaías [66.23], enquanto a lua nova for continuada por lua nova, sábado por sábado, até quando, na verdade, Deus vier a ser tudo em todas as coisas [1Co 15.28].

Portanto, pode parecer que, mediante o sétimo dia, o Senhor tenha delineado a seu povo a perfeição futura de seu sábado no Último Dia, a fim de que, pela incessante meditação do sábado, a esta perfeição aspirasse por toda a vida.

CRISTO, O PLENO CUMPRIMENTO DO SÁBADO

Se a alguém desagrada esta interpretação do número como sendo por demais sutil, nada impeço a que a tome em termos mais simples, a saber: que o Senhor estabeleceu um dia determinado em que o povo se exercitasse, sob a direção da lei, a meditar na incessabilidade do descanso espiritual; que Deus designou o sétimo dia, ou porque previa ser o mesmo suficiente para isso, ou para que, proposta uma imitação de seu exemplo, melhor estimulasse o povo, ou, na realidade, o exortasse a não atentar para o sábado com outro propósito senão que o conformasse a seu Criador.

Ora, pouco interessa que interpretação se adote, desde que subsista o mistério que principalmente se delineia: o referente ao perpétuo descanso de nossos labores. A contemplar isto, os Profetas reiteradamente revocavam os judeus, para que não pensassem haver-se desincumbido da obrigação do sábado com a simples cessação física do trabalho. Além das passagens já referidas, assim tens em Isaías [58.13, 14]: “Se apartares do sábado teu pé, para que não faças tua vontade em meu santo dia, e ao sábado chamares deleitoso e o dia santo do Senhor glorioso, e o glorificares, não seguindo teus caminhos e não fazendo tua vontade, de sorte que fales tua palavra, então te deleitarás no Senhor” etc.

Mas, não há dúvida de que pela vinda do Senhor Jesus Cristo o que era aqui cerimonial foi abolido. Pois ele é a verdade, por cuja presença se desvanecem todas as figuras; o corpo, a cuja visão são deixadas para trás as sombras. Ele é, digo-o, o verdadeiro cumprimento do sábado. Com ele, sepultados através do batismo, fomos enxertados na participação de sua morte, para que, participantes de sua ressurreição, andemos em novidade de vida [Rm 6.4]. Por isso, escreve o Apóstolo em outro lugar que o sábado tem sido uma sombra da realidade futura, e que o corpo, isto é, a sólida substância da verdade, que bem explicou naquela passagem, está em Cristo [Cl 2.17]. Esta não consiste em apenas um dia, mas em todo o curso de nossa vida, até que, inteiramente mortos para nós mesmos, nos enchamos da vida de Deus. Portanto, que esteja longe dos cristãos a observância supersticiosa de dias.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Por que não a vida? - Parte 2

Data: 23/06/2010
Autor: Leonardo Felicissimo

Andar com Deus é renunciar o comportamento depravado humano, é reconhecer que se precisa de vida e que esta vida jorra do trono do Altíssimo. Viver segundo seus próprios caminhos e segundo sua própria consciência, é viver esperando a morte.

Para Enoque, o cumprimento da justiça que produz a vida estava em voltar-se totalmente para Deus, para nós o cumprimento da justiça está em Cristo que se entregou no calvário permitindo a qualquer homem obter a vida eterna e o triunfo nEle contra a morte eterna.

Precisamos gozar desta vida que recebemos em Cristo, andar com Ele, nos relacionarmos através de sua palavra, através da oração. A morte não pode abalar os que estão em Cristo, ela é apenas um estado temporário que antecede a esperança da ressurreição. Escolhemos Cristo porque queremos continuar a gozar do presente que nos foi dado, a Vida.

Cristo é a resposta, a resposta para aqueles que procuram vida.

Cristo é a resposta para aqueles que entendem o valor da vida; somos gente! Gente que Deus criou pra viver a vida. Gente feita com um propósito, com um motivo. Todavia, se alguém não esta em Cristo está na situação do homem caído, morto, sem Deus e sem esperança (Ef. 2.12). Precisamos de vida, precisamos de Cristo. A esperança da vida é ser justo diante de Deus e este é o principal papel da fé em Cristo (Rm. 5.1). Não, a fé não é um meio para decretar bênçãos ou determinar a prosperidade. A fé é o instrumento através do qual somos justificados diante de Deus pela confiança na eficácia do sacrifício de Cristo no calvário. Fé não é pensamento positivo, é confiança!

Esta foi a experiência de Enoque, essa é a nossa experiência. Ter esperança de vida; essa é a proposta de Cristo. No meio de uma humanidade morta-viva - sim, porque ainda que estejam vivos em aparência seu estado real é de morte, seu futuro é morte e seu fim será eternamente a morte - alguns encontram a esperança para a vida. São enoques que encontraram em Cristo a resposta para um futuro, para uma eternidade de Vida.

Por que falar de Cristo? Porque ele e não outro oferece vida e vida em abundância (Jo. 10.10b). Todo tem uma opção a escolher, então, se havemos de escolher algo, POR QUE NÃO A VIDA? E se escolhemos a vida, devemos saber que a única resposta para nossa escolha é e sempre será Cristo (Jo 17.3).

Por que não a vida? - Parte 1

Data: 23/06/2010
Autor: Leonardo Felicissimo

"Todos os dias que Adão viveu foram novecentos e trinta anos; e morreu." (Gn. 5.5)

De todos os sentimentos que possam afrontar o ser humano, o pior deles é a fragilidade quanto à morte. Podemos dizer que a morte é primária de uma série de sentimentos. A morte produz tristeza, dor, humilhação, solidão. Possui poder para expor ao ser humano sua fragilidade, sua pequenez. Retira do ser humano o sentimento de auto-suficiência, de absolutismo. Não estou querendo abordar nenhum tipo de filosofia estóica. Não compartilho a idéia de que a morte seja uma solução para um ser aprisionado, todavia, acredito que o fato de ter o conhecimento ao seu respeito seja de grande valia para que o homem tenha percepção de sua natureza.

O que aprendemos em Gn. 5?

Naturalmente estamos acostumados enxergar apenas o relato da genealogia quando na realidade um detalhe passa despercebido de nossa visão, a Bíblia diz: morreu... Pode-se inferir que o autor propositalmente decidiu relatar que após muitos anos de vida, dada personagem listado enfrentou a morte. Considerando que:
  • A = nome do personagem bíblico
  • B = tempo de vida
O padrão que encontramos nos textos é: "E foram todos os dias que A viveu, B, e morreu", este acontecimento ocorre com vários personagens. Qual seria a importância de relatar a longevidade do homem nesta passagem? Unicamente para demonstrar que homem (outrora não conhecedor da morte), deveria então experimentá-la ainda que tivesse qualquer esperança de manter-se em vida.

Por mais extensa que fosse a vida natural do homem ele haveria de enfrentar a conseqüência de seu ato pecaminoso. Este ensinamento é proferido pelo Apostolo Paulo ao dizer que "o salário do pecado é a morte" (Rm. 6.23). A morte é a triste recompensa do homem por sua rebeldia e desobediência a Deus. Quantos são aqueles que ainda que digam não se importar com a morte reconhecem o triste pesar que ela traz! Ninguém gosta de falar sobre a morte, de estar próximo a ela e ninguém deseja encontrá-la.

Por quê? Simplesmente porque nos importamos com a vida! Queremos longevidade, ver nossos descendentes, filhos, netos, cumprir planos, realizar sonhos, aproveitar a vida, gozar a companhia do cônjuge. A vida proporciona oportunidades, a morte declara o ponto final. Ainda que a vida material não seja tão boa, pode-se a cada dia renovar-se a esperança.

A esperança é evidente no texto de Gênesis 5. Após sete relatos de morte, um relato altera o padrão da história. A história de Enoque produz esperança e demonstra que mesmo em tempos tão antigos algo já estava estabelecido. A vida é garantida quando se cumpre a justiça de Deus. Adão e Eva com sua atitude demonstraram independência de Deus, a história de Enoque parece apresentar que este homem possuía um testemunho completamente oposto aos de seus familiares e contemporâneos.

Diz a Bíblia "Andou Enoque com Deus". C. H. Mackintosh diz que o andar com Deus nos tempos de Enoque haveria de significar renuncia. Numa sociedade que se degradava sempre mais, andar com Deus significaria abrir mão de andar com os outros. Era voltar-se exclusivamente para Deus e gozar de dependência e comunhão com Ele[1].

Ah! Como nos precisamos aprender sobre isto. O escape para a morte não esta em evoluir como espírito através de uma troca de corpos, não está em virar adubo de terra como se de nada valesse a vida atual. O escape para a morte está em andar com Deus.

Notas Bibliográficas
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[1] MACKINTOSH, C. H., Estudos sobre o livro de Gênesis. 3ª Edição, Diadema: Associação Religiosa Imprensa da Fé, 2001.